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“Não curto, nem sou afeminado”: a reprodução de padrões de gênero na cultura gay

A  cultura gay carrega consigo a reprodução de padrões de gênero pautados no binarismo. Nesse texto debatemos sobre as limitações e impactos da construção de mundo binária nas vivências homossexuais.

Você já viu em aplicativos de relacionamento homoafetivo a famigerada frase “não curto, nem sou afeminado”?

Já presenciou alguém rindo de outro homem gay, seja porque ele era gordo, pessoa com deficiência, neurodiverso, preto ou afeminado? Ou então teve que ouvir frases como “segura a franga”, “não precisa ser escandaloso” ou até “você é gay, mas é homem”, vindo de outras pessoas LGBTI+?

Esses discursos remetem à construção da masculinidade gay. Porém, conforme vamos discutir nesse blog post, você não precisa ser conivente com isso, muito menos se deixar limitar: existem diversas maneiras de viver sua sexualidade e afetividade.

 

A reprodução de padrões de gênero na cultura gay: breve histórico

 

As identidades LGBTI+ no Brasil são descriminalizadas em 1830, após a assinatura do 1º Código Penal Brasileiro, assinado por Dom Pedro I. No entanto, entre 1830 e os dias atuais, muita coisa aconteceu – de possuídos e sodomitas, fomos tratados como doentes e, ainda hoje, apesar de alguns direitos conquistados, somos tidos como subalternos, não dignos, promíscuos e destinados aos guetos e vielas.

Assim como em outros países, a masculinidade aqui é construída a partir dos fundamentos dos papéis de gênero. Nós repercutimos essa masculinidade na sociedade capitalista a partir da construção de uma narrativa mercantilista de corpos, onde performances ditas femininas são vistas como menos valiosas. Assim, nessa lógica de consumo,  construímos as imagens sobre o que devemos produzir, reproduzir e consumir no modelo de sociedade vigente. Em outras palavras, como devemos viver as nossas identidades e quais devem ser os nossos gostos.

 

O binarismo nas performances de homossexualidade

 

É possível notar que a construção social sobre o que é “ser gay” é fortemente binária e se baseia nas relações de poder estabelecidas entre gêneros.

Como exemplo, temos a “bicha afeminada”. É sexualmente passivo, gosta de moda e beleza e acompanha a vida das divas pop. Além disso, reproduz um comportamento pautado na suposta “competitividade feminina”, em disputa de espaços online e offline com outros grupos de gays afeminados.

Do outro lado do binário, temos o homem gay masculinizado. Alto, com corpo musculoso, é sexualmente ativo e discreto. Ama academia e outros esportes e rejeita toda expressão feminilizada.

No entanto, na vivência gay, assim como na matemática, entre 0 e 1, existem infinitas possibilidades. E a identidade gay não se limita a essas duas personalidades válidas, mas ainda restritivas.

Essa limitação sobre a identidade gay, além de propagar uma lógica de mundo sexista – onde o feminino é visto como degradante -,  dificulta a auto identificação da população gay como grupo. Por tais razões, essa estereotipação não deveria ser cultivada.

 

A homossexualidade não tem espaço na heteronormatividade

 

Só começamos a discutir a masculinidade gay no fim do século XX, quando o próprio movimento LGBTI+ começou a questionar o protagonismo desse grupo, em detrimento das outras vivências fora do espectro héterocis.

Marcel Nadale, Bruno Branquinho e Saraiva, Santos e Pereira (2020) já discutiram nos seus textos e conteúdos sobre a masculinidade tóxica na comunidade LGBTI+, a inexistência de “sororidade” entre gays, o assédio entre gays no trabalho e a cultura do estupro e todos os autores ressaltam que esses assuntos estão fortemente conectados à construção da heteronormatividade e da masculinidade.

Nas últimas décadas, aprendemos novas linguagens e mecanismos de encontros e relacionamentos; mas ainda não desaprendemos a nos relacionar sem reproduzir um modelo social que, na verdade, nos reprime e não nos quer vivos. Afinal, na heteronormatividade e na cisnormatividade, não há espaços para as vivências LGBTI+, mesmo se o homem for o “mais masculinizado” possível.

 

Como podemos cultivar masculinidades e homossexualidades mais plurais?

 

ilustração de vários homens gays diferentes entre si em torno da palavra GAYS no plural, denotando que há muitas formas de ser homossexual que vão além do padrão de gênero

 

Para avançarmos, é importante olhar para a possível masculinidade tóxica que carregamos, mesmo dentro das nossas vivências LGBTI+. Não temos como criar um “passo-a-passo” de como não o ser, porque não existe um modelo de “não ser tóxico”. Existe, na verdade, várias possibilidades de olhar para nossos próprios corpos e comunidades e pensarmos: até quando vamos continuar repercutindo modelos que não nos contemplam?

Por fim, o mais importante é repensar e combater esses padrões reproduzidos inconscientemente que nos fazem mal. Reveja como você lida com a masculinidade, esteja preparado para revisitar suas emoções e história, converse e crie vínculos com outros gays com vivências diferentes das suas. Saia da bolha. 

A maior lição que as pessoas LGBTI+ podem dar para uma sociedade acostumada com padrões, é celebrar a diversidade: avalie locais e serviços que acolham a diversidade na nossa plataforma!



Texto por Jonas Marssaro
Revisão por Bruno Jordão de Miranda e Domenique Rangel Leite
Ilustração por Thadeu dos Anjos
Organização por Marianna Spindola Godoy

2 respostas

  1. Eu digo que cada um tem um jeito de ser isso é lindo e tem de ser respeitado, porém nem todes se identificam como afeminados e está tudo bem. Sabemos sim que existe preconceito contra eles dentro da comunidade mas para ser sincero muitas vezes me sinto desrespeitado quando usam o termo “heteronormalizar”.

    Isso porque se pensarmos nossa comunidade possui dois pilares: identidade de gênero e orientação sexual… podemos ver que homem/mulher é uma construção social e há pessoas que não se identificam com essa construção (totalmente ok é natural), porém tem pessoas que sim e eu sou uma delas por exemplo! Eu jamais tentaria moldar nossa comunidade dentro do estilo de vida hetero, até porque minha jornada é o oposto disso. Mas me identifico como homem masculino, negro, favelado e a masculinidade me atrai para relacionamentos, qual o problema nisso???

    Ainda digo mais, por colocar no seu exemplo a bicha afeminada como passiva e o homem gay masculino como ativo penso que sem se dar conta vc mesmo está perpetuando essa “binaridade tóxica” dentro da comunidade.

    Existem várias formas de ser e isso é lindo e tem de ser respeitado. O homem gay masculino que sente atração por homens masculinos tbm existe e isso não tem nada a ver com encaixe heteronormativo desde que ele e os demais se respeitem.

    Deixo aqui minha opinião com todo o respeito, parabéns por promover essa reflexão!

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