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Ser trans não é doença: Dia internacional pela despatologização das identidades trans

Hoje é Dia da Despatologização Trans. Despato-o quê? Calma! Vem comigo que vou discutir ao longo do texto um pouco sobre essa palavra e a importância deste dia. 

O Dia da Despatologização Trans

 O dia 21 de outubro é o dia internacional pela despatologização das identidades trans e marca uma luta que acontece desde o início dos movimentos LGBTI+ mesmo que nem sempre visíveis já que a transfobia e o apagamento de pessoas trans também fazem parte deles.

A palavra patologização vem de patologia e patologia significa doença. Uma patologia está sempre em contraposição à normalidade. Mas o que é ser normal? Você sabia que pessoas trans são patologizadas e entendidas como pessoas com transtornos mentais pela psiquiatria e pela medicina desde o século passado? Será que a doença está em nós, pessoas trans, ou na suposição de achar que todo mundo que nasce com vagina se torna uma mulher e todo mundo que nasce com pênis se torna um homem?

Logo menos vou lançar algumas provocações para essas perguntas. Mas para te contextualizar melhor, é preciso que você saiba que esse é o primeiro de uma série de três textos. A série inclui:

  • O Dia Internacional Pela Despatologização das Identidades Trans.
  • O que os manuais de medicina (DSM e CID) tem a ver com a nossa patologização.
  • Alguns dos efeitos de mais de 65 anos de patologização em corpos trans.

O binarismo de gênero NÃO é normal

Historicamente, pessoas trans são tão antigas quanto pessoas cis. Ficou na dúvida? Essa afirmação pode causar certo estranhamento porque a divisão binária de gênero é recente na história da humanidade. Ela é resultado da colonização ocidental europeia. Há diversos registros históricos que tentam ser apagados que nos mostram a existência de pessoas fora do contemporâneo binarismo de gênero desde antes e durante a colonização.  

Para citar três exemplos temos: 

  • As Hijras na Índia.
  • As pessoas dois-espíritos que fazem parte dos povos originários onde hoje se encontra os Estados Unidos.
  • A travesti negra Xica Manicongo, nativa do Congo, escravizada e vendida para um sapateiro em Salvador, em 1591. 

Você pode saber mais sobre Xica, hoje reconhecida como a primeira travesti que se tem registro no Brasil, neste artigo maravilhoso escrito por Jaqueline Gomes de Jesus. 

Ser trans não é algo novo na  história da humanidade. Não devemos confundir a historicidade dos termos com a existência de algo. Ou, neste caso, de pessoas atualmente entendidas como trans. Houve – e ainda há – uma divisão sobre quem é considerado normal e quem é considerado anormal. Essa divisão é baseada em diferentes marcadores sociais, como por exemplo raça, gênero, sexualidade e deficiência. Quem não é considerado como normal, é muitas vezes desumanizado. Você pode entender mais sobre a desumanização de travestis e pessoas trans neste artigo já publicado em nosso blog, escrito pela professora Letícia Caroline. 

Nós, pessoas trans, não somos consideradas normais por não correspondermos à divisão de um cistema (cisgênero+sistema), que determina quem é homem ou mulher baseado no sistema geniturinário de alguém. A principal diferença nesse entendimento de humanidade de pessoas trans se dá pela ideia de que mulheres têm vagina e homens têm pênis.  E é por isso que tentam nos diagnosticar, normativizar e nos adequar à cisgeneridade. Pelo mesmo motivo, pessoas intersexo, aquelas erroneamente chamadas de hermafroditas, são muitas vezes mutiladas e têm seus órgãos genitais operados pouco tempo após seus nascimentos.  

Não sabe o que é uma pessoa intersexo? O Amiel Vieira e a Carolina Iara são duas pessoas intersexo babadeiras que tem me ajudado muito a entender mais sobre a intersexualidade. Foi por causa deles que eu descobri, inclusive, que outubro também é o mês da visibilidade intersexo. Você já sabia disso? Ficou com vontade de saber mais? Você pode seguir eles no instagram @amielvieira e @acarolinaiara.

21/10 – Dia Internacional pela Despatologização das Identidades Trans 

A STP – Stop Trans Pathologization (Pare a Patologização Trans) é uma campanha internacional que luta contra a patologização das pessoas trans. No início, a Campanha STP foi uma iniciativa de grupos de ativistas precedentes em sua maioria do contexto espanhol na primeira década do século XXI. 

Desde 2007 são convocadas em outubro mobilizações pela despatologização de pessoas trans. Entre 2007 e 2008 foram organizadas diferentes manifestações principalmente em cidades europeias. Em 2009, o movimento adotou caráter internacional com o nome de STP e mais de 41 cidades de diferentes partes do mundo se juntaram ao movimento. Em 2012, já se contabilizava mais de 300 grupos e organizações na África, na América Latina, na Ásia, na Europa, na América do Norte e na Oceania vinculados ao STP.

Os objetivos principais da Campanha STP são:

  • A retirada da classificação dos processos de transição de gênero como transtorno mental nos catálogos diagnósticos (o DSM, da Associação Psiquiátrica Americana, e a CID, da Organização Mundial de Saúde).
  • O acesso a uma atenção sanitária trans-específica que seja pública e gratuita.
  • A mudança do paradigma de atenção sanitária trans-específica de um modelo de avaliação a um enfoque de consentimento informado.
  • O reconhecimento legal de gênero sem requisitos médicos.
  • A despatologização da diversidade de gênero na infância.
  • A abolição dos tratamentos de normalização binária a pessoas nascidas intersexo. 

Um dos objetivos já foi alcançado. Como vocês verão mais profundamente no segundo texto da série, a CID-11 desde 2018 já não mais caracteriza pessoas trans como pessoas que possuem transtornos mentais ou sexuais. Porém, nosso acesso à saúde ainda é dificultado e pessoas intersexo continuam sendo mutiladas. Você não acha bizarro pensar que pessoas trans e pessoas intersexo são consideradas pessoas com transtornos mentais e sexuais e que, temos direitos humanos básicos como educação, trabalho, afeto e acesso à saúde negados só porque não correspondemos a cisnorma?

No Brasil, a ANTRA, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, a ABGLT, Associação Brasileira LGBT, e a Marcha do Orgulho Trans que acontece em diferentes cidades do país são alguns exemplos de organizações e movimentos sociais que têm pautado a despatologização em suas lutas há muito tempo. Neste link, a ANTRA explica e fala sobre como pessoas trans podem acessar o SUS.

Neste dia internacional da despatologização das identidades trans é necessário que não nos esquecemos: 

A patologia não está em nós. A doença não está em nós. A doença está na cisnorma. A patologia está em achar que entre toda a população mundial existem apenas dois gêneros baseados em pênis ou vagina para se viver. A patologia está em achar que corpos trans precisam ser iguais a corpos cis para serem humanizados.

Ah, não esquece também de compartilhar esse texto em suas redes sociais, vamos buscar mais informações sobre pessoas trans e sobre pessoas intersexo. Essas discussões são intencionalmente escondidas e invisibilizadas pela cisnorma, então bora correr atrás e tentar mudar isso? Um beijo e até o próximo texto.

Texto por Ti Ochoa
Arte por Luan Gonzatti

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