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Setembro Amarelo & Comunidade LGBTI+: como está a saúde mental das pessoas LGBTQI+

Em um cenário pandêmico de crise política, social e econômica o Brasil tem grande representação de grupos minoritários, segundo dados do IBGE, cerca de 54% da população é composta por pessoas negras, 52% da população é de mulheres, pessoas com deficiência representam 25% da população, pessoas trans e travestis- aproximadamente 2% e a população indígena corresponde a 0,47%. Neste contexto, esses grupos sofrem com a desigualdade social, vulnerabilidade econômica e violências brutais. A discrepância da realidade coloca em xeque a meritocracia como sistema de manutenção dos privilégios de pessoas cisgêneras, heterossexuais e brancas com a interseccionalidade que compõe estes grupos, atravessados por determinantes de raça/cor, classe, identidade de gênero, orientação sexual, idade e etc, que as invalidam, as silenciam e as excluem.

Segundo o Relatório do Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil, pelo Grupo Gay da Bahia, em 2020, 237 pessoas LGBT+ (1ésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) sofreram mortes violentas no Brasil, vítimas da LGBTfobia: 224 homicídios (94,5%) e 13 suicídios (5,5%). A cada 36 horas uma pessoa LGBT brasileira é vítima de homicídio ou suicídio, o que confirma o Brasil como campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais.

Existe um consenso entre as principais ONGS LGBT+ que os suicídios dessa população são de dificílima localização nos registros policiais e nas mídias sociais, pois sua subnotificação é ainda superior aos homicídios, sendo agravada por três estigmas: homossexualidade+ gênero diverso+ morte intencional. Pesquisas internacionais apontam que o índice de suicídios entre jovens LGBT+ é cinco vezes superior ao de heterossexuais. (Suicídios jovens LGBT, 2019). Em 2020 localizamos 13 suicidas, sendo 7 travestis e mulheres trans, 3 homens trans, 2 gays e 1 sem identificação de gênero.

É inegável que toda essa situação crítica de calamidade perpassa questões culturais, socais, educacionais, econômicas… Mas e no âmbito pessoal-familiar? Quais são os riscos que pessoas LGBT+ estão expostas? Segundo minha experiência clínica e os estudos em Estresse de Minoria, desenvolvidos por Meyer, Rossano, Ellis e Bradford (2002) podemos elencar esta série de determinantes que agravam a saúde mental desta população: inconformidade de gênero, conflito interno sobre orientação sexual, sair mais cedo de casa, baixa conectividade familiar, falta de cuidado com o adulto, escola insegura, rejeição familiar, vitimização, intimidação, estigma e discriminação. Essa é a proporção das adversidades que pessoas não heterossexuais enfrentam diariamente, o que corrobora em todos os níveis de fragilidade em relação a autoestima, ao desempenho educacional e ao ingresso no mercado de trabalho.

Dentro do espectro de transtornos que acometem a mente, o suicídio é um ato de comunicação que não pôde receber acolhimento em vida e que, por consequência, confirma concretamente a “descontinuidade do sentido de vida” (Fukumitsu, 2013, p. 19). A gravidade destas situações extremas de desespero e aniquilação estão imbuídas de traumas, estresse, depressão, abandono e solidão, violências sutis e concretas que pessoas LGBT+ sofrem todos os dias. 

Segundo a suicidologista Karina Fukumitsu, o trabalho de prevenção ao suicídio envolve a compreensão de três questões principais: qual é o pedido da pessoa que tenta o suicídio? Qual é o desejo que não consegue ser concretizado em vida? Qual é a mensagem existencial de um ato suicida?

O suicídio é um processo complexo que comunica as fragmentações e desesperos que tornaram a vida do sujeito intolerável, interminável e inescapável (Clinical Manual of Assessment and Treatment of Suicidal Patients). Dentre as várias fragmentações, a pesquisadora ainda destaca restrições de oportunidades para a ampliação de ajustamentos criativos funcionais; apego inseguro; conflitos disfuncionais; rigidez de padrões interativos; e dificuldade na comunicação. Toda essa situação é agravada quando o sujeito se isola e perde a conexão com uma rede de apoio, sem familiares, amigos, trabalho ou escola, a vulnerabilidade chega em um nível crítico de solidão e abandono, propiciando o desencadeamento de situações extremas.

Situações de risco de suicídio, depressões e transtornos mentais exigem o cuidado a partir de uma rede de apoio que ofereça a pessoa em vulnerabilidade um ambiente acolhedor de segurança, respeito e dignidade. Os familiares e amigos devem, sobretudo, estar disponíveis e interessados em ajudar a pessoa que está sofrendo ou que apresenta mudanças acentuadas e bruscas de comportamento. É preciso estar disposto a ouvir, apoiar e estar presente, lembrando que a pessoa neste estado não tem condições de ir em busca de um tratamento especializado sozinha. 

Falando ainda em um nível pessoal de apoio, podemos oferecer  ajuda convidando a pessoa para uma conversa em um ambiente íntimo e calmo, a escutando e conversando de modo sincero, sem autoritarismos ou julgamentos. Existem modos de conversar e perguntar que podem auxiliar a abordagem nesta situação, por exemplo perguntar onde está doendo, qual é o problema que ela não consegue resolver e se colocar à disposição para ajudá-la no que ela precisar. Frases como: “Estou com você”, “Você não está sozinhe”, “Como posso te ajudar”,” Vamos juntos encontrar uma maneira de você sair dessa situação”, funcionam como âncora para uma pessoa que está em vulnerabilidade. 

Além do apoio pessoal, de amizade e familiar é essencial que os serviços de saúde especializados sejam acionados. No Brasil, o “Setembro Amarelo” é uma campanha de iniciativa do Centro de Valorização da Vida (CVV), dedicada à prevenção do suicídio, pela Associação Brasileira de Psiquiatria e do Conselho Federal de Medicina. Neste ano, o tema é “Agir salva vidas”. O Centro de Valorização da Vida (CVV), fundado em 1962 em São Paulo, faz um trabalho pioneiro na área de prevenção ao suicídio, contando com o trabalho voluntário de cerca de três mil colaboradores que atendem mais de 10 mil ligações diárias. Para acessar esse serviço basta ligar 188 ou acessar o site. Na rede pública, a indicação é procurar acolhimento multiprofissional através das Unidades Básicas de Saúde e os Centros de Apoio Psicossocial (CAPS) no Sistema Único de Saúde (SUS).

Diante de toda a complexidade que envolve a saúde mental de pessoas LGBT+ e dos agravamentos e riscos que estamos expostes, é importante que algumas medidas de proteção sejam tomadas, entre elas, iniciar uma nova mentalidade de não pessoalizar um sofrimento que torne a culpa individual, e sim, compreender o processo de saúde mental como um rizoma que está irrigado e sustentado por um ambiente familiar seguro, condições dignas de sobrevivência, rede de cuidados e afetos. Quanto mais nossa compreensão sobre saúde for ampliada, mais fortalecides estaremos para buscar políticas públicas, apoio de instituições, vagas afirmativas e conquistas de direitos que protejam a diversidade nas pessoas LGBT+ e promovam a inclusão nos espaços sociais, de ensino e de trabalho.

 

Biografia da autora:

Jaque Santos- CRP 12/19422

Mulher trans-travesti, Consultora D&I e Psicóloga com 5 anos de experiência em Reabilitação Profissional, Saúde do Trabalhador, Inclusão de pessoas com deficiência e atendimento de pessoas LGBTQIA+.

Desenvolve Consultorias, Talks e Workshops para organizações com foco em Liderança Inclusiva e Gestão da Diversidade e Inclusão.

Psicóloga formada pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (2016), atualmente amplia seus estudos e pesquisas em Gestão de Recursos Humanos com foco em Diversidade e Inclusão pela Universidade Estácio do Rio de Janeiro (2020).

 

 

 

Referências Bibliográficas:

Chiles J. A; Strosahl K. D. (2005). Clinical Manual of Assessment and Treatment of Suicidal Patients. American Psychiatric Publishing, Inc.

Fukumitsu, K. O. (2013). Suicídio e Luto: história de filhos sobreviventes. São Paulo: Digital Publish & Print Editora.

https://observatoriomortesviolentaslgbtibrasil.org/

https://grupogaydabahia.com.br/relatorios-anuais-de-morte-de-lgbti/

https://www.cvv.org.br/

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