Florianópolis é conhecida como capital LGBT friendly, mas você sabe sobre a história de luta e resistência da comunidade LGBTI+, ou sobre os locais que contam e representam essa memória na cidade?
Início de uma série, este post debate pontos altos e baixos de ser LGBTI+ na capital catarinense, ressaltando a importância da preservação da história e da luta por políticas públicas para a comunidade.
Como era ser LGBTI+ em Floripa no século XX? A cidade faz juz a sua fama LGBTI+ friendly? E, afinal, o que isso quer dizer?
Florianópolis, a ilha da magia!
Popular pelo grande número de praias e por sua beleza natural, Florianópolis, a capital de Santa Catarina, atrai diversos turistas em busca de sua natureza e diversidade. Conhecida também como “ilha da magia”, a cidade contém uma vida noturna dinâmica, atraindo um público diverso à procura de diversão, seja em bares, boates ou pelo turismo de veraneio. Durante o carnaval, atrai inúmeros foliões, tornando o município um dos principais pontos turísticos do país durante essa época do ano.
Florianópolis também é reconhecida pelo seu turismo LGBTI+, uma vez que tem inúmeras atrações para esse público, como as casas noturnas, bares, a Parada do Orgulho LGBTI+ e vários blocos durante o carnaval. Além disso, algumas praias são pontos históricos de socialização da comunidade, como a Praia Mole. Assim, a cidade detém uma grande ocupação por parte da população LGBTI+, e certamente faz propaganda para isso. Mas será que a capital catarinense é capaz de ofertar em segurança o tanto que oferece em atrativos? E na cidade há mesmo valorização da cultura e memória LGBTI+? Você LGBTI+ se sente seguro andando pela cidade ?
LGBTIs+ na Florianópolis do século passado
Desde meados do século XX, a comunidade LGBTI+ tem encontrado na cidade um abrigo e um destino. Entretanto, mesmo que hoje essa população obtenha um certo reconhecimento e responda por um público consumidor significativo, no passado sua presença era marcada por relatos de repúdio ou por declarações que rechaçavam as atividades LGBTI+. Infelizmente, esse rechaço ainda acontece, mesmo sob o slogan de cidade acolhedora da comunidade. Por exemplo, em 1955 o jornalista local Manoel de Menezes já declarava a presença de “marmanjos de masculinidade duvidosa” que “se entregavam às mais desavergonhadas cenas de amor” no Largo da Alfândega, no centro da cidade. De outro lado, com um olhar externo, o Lampião da Esquina, primeiro jornal LGBTI+ ,do Brasil, afirma em 1978, em sua edição nº 0 que Florianópolis era uma das “cidades maravilhosas para homossexuais”. Essas publicações demonstram a dualidade que a comunidade encontra na ilha.
Naquela Floripa, os encontros da população LGBTI aconteciam geralmente no centro da cidade ou nas praias. De acordo com o estudo da pesquisadora ReginaErdmann , havia um percurso feito entre bares e locais de encontro e sociabilidade LGBTI+ em Florianópolis, já na década de 1970. Dentre estes locais, destacam-se a área da Praça XV, a Escadaria do Rosário, Mercado Público, dentre outras áreas importantes do centro fundacional. Esses espaços marcaram a memória da vida noturna da comunidade em Florianópolis, como a boate Notre Vie, a Ominus e a Opium – estabelecimentos fechados atualmente.
Invisibilização
A partir da década de 1990, a população LGBTI+ foi sofrendo gradual exclusão urbana nos locais de sociabilidade, encabeçadas por ações higienistas nos espaços públicos centrais. Este movimento de exclusão visava (e ainda visa) a “revitalização”, tendo como principal justificativa o atrativo turístico. Ações essas que evidenciam a contradição do marketing de “capital LGBTI+ friendly”, adotado para a cidade a partir das décadas de 1990/2000.
Esse movimento de invisibilização, por vezes higienista, baseia-se em ideais conservadores que apagam a história e existência da comunidade LGBTI+ na cidade. Além disso, reflete na hierarquia de ocupação da comunidade na cidade. Segundo o antropólogo Marco Aurélio Silva, esta hierarquização determina horários e locais de ocupação de acordo com a orientação sexual, gênero, sexualidade, e também envolvendo classe e cor. Em outras palavras, determina quem dessas identidades pode ocupar o espaço público e para quem as políticas públicas buscam construir a cidade. Com isso, o cenário posto até os dias atuais é da permissividade apenas na ocupação urbana noturna da comunidade LGBTI+, sendo nossas expressões e identidades invisibilizadas no período diurno, quando a cidade está mais ocupada.
E hoje, estamos seguros?
Os locais mais frequentados e considerados “seguros” pela comunidade LGBTI+ em Florianópolis continuam sendo as casas noturnas localizadas no centro da cidade e nas praias já identificadas pela ocupação da comunidade. Apesar da propaganda do turismo LGBTI+ na cidade, ainda há casos de violência física e verbal, somado ao fato de Florianópolis ser a única capital brasileira no qual a promotoria de justiça se opõe ao casamento homoafetivo. Esses fatos reforçam a necessidade de políticas públicas para garantir a segurança e direitos básicos da comunidade.
E você, conhece lugares da Ilha de Santa Catarina que marcaram a história da comunidade LGBTI+? Conta pra gente!
Com o intuito de resgatar a história e dar visibilidade a memória contada pela comunidade LGBTI+ na cidade de Florianópolis, o Grupo PET (Programa de Ensino Tutorial) da graduação de Arquitetura e Urbanismo da UFSC, juntamente à Nohs Somos, pretende compartilhar as discussões realizadas pelo grupo de pesquisa de “Análise de espaços públicos de representatividade para a recuperação do direito à cidade da comunidade LGBTQIA+ no centro de Florianópolis” através de posts no Blog e Instagram da Nohs Somos. Este é o primeiro post de uma série que contará a história de Florianópolis sob a perspectiva LGBTI+ a partir dos locais mais conhecidos pela ocupação da comunidade na cidade, desde os anos 50 até os dias atuais.
post por PET Arquitetura e Urbanismo UFSC
arte por Luan Gonzatti
Referências
COSTA, Glaucia Dias da. Vida noturna e cultura urbana em Florianópolis: (décadas de 50, 60 e 70 do século xx). 2004. 140 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de História, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.
ERDMANN, Regina Maria. Reis e rainhas no Desterro : um estudo de caso. 1981. 144 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Florianópolis, 1981. Disponível aqui.
SILVA, Marco Aurélio da. Se manque! Uma etnografia do carnaval no pedaço GLS da Ilha de Santa Catarina. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social). Programa de PósGraduação em Antropologia Social, UFSC. Florianópolis, 2003.
G1. Na contramão das demais capitais, promotoria em Florianópolis se opõe a casamentos homoafetivos. 2020. Disponível aqui.