História do Dia Nacional do Orgulho Lésbico: do ChanaComChana ao Ferro’s Bar

Continuando nossas publicações para o Mês da Visibilidade Lésbica,  contamos aqui sobre surgimento do Dia Nacional do Orgulho Lésbico e a história das mulheres que fizeram o Stonewall Brasileiro com a venda do folhetim Chanacomchana no Ferro’s Bar, em São Paulo.

Hoje é celebrado o Dia Nacional do Orgulho Lésbico. Você já se perguntou como esta data foi definida, qual sua história e quem fez isso acontecer? Nesse post a gente trouxe a memória do movimento lésbico brasileiro e a história do levante que ficou conhecido como Stonewall Brasileiro.

O Movimento Lésbico Nacional

O movimento lésbico organizado no Brasil se inicia a partir do primeiro grupo de defesa de direitos LGBTI+ do país. O SOMOS se formou em 1978, e unia pautas diversas do chamado movimento homossexual. No início, a organização prezava pela coletividade. Com aumento do número de pessoas, entretanto, começaram a surgir tensões dentro do grupo.

Algumas lésbicas se sentiram incomodadas com casos de machismo por parte de homens gays. Assim, sentiram a necessidade de formar um subgrupo para discutir misoginia e feminismo no movimento homossexual. Daí surge o Grupo Lésbico-Feminista (LF), que atuou junto ao SOMOS a partir de 1979. Elas lidavam com as particularidades da homossexualidade feminina, encarando fatores como o patriarcado e o sexismo.

Após conflitos dentro do grupo Somos, as lésbicas decidiram separar as militâncias. O LF foi desanexado e continuou sua atuação durante os anos de 1980 e 1981. Elas trabalharam para questionar padrões heteronormativos, como a a monogamia, a propriedade privada e os padrões estabelecidos socialmente.

Apesar disso, suas ações enfraqueceram justamente por problemas afetivos e ideológicos: ciúmes, sentimentos de posse e rompimentos de casais que formavam o grupo foram alguns fatores críticos para a dispersão do LF. Além disso, fragilidades na atuação política do grupo e um sentimento de imposição de certas pautas geraram conflitos que culminaram na dissolução do grupo.

Algumas mulheres ainda desejavam se manter na militância lésbica. Encabeçadas por Rosely Roth e Miriam Martinho, fundaram em 1981 o Grupo de Ação Lésbico-Feminista (GALF). Entre outras ações, o GALF publicava o jornal ChanaComChana.

ChanaComChana

O Chanacomchana foi um folhetim escrito e distribuído por lésbicas, a partir de 1981. Foi o primeiro periódico do Brasil voltado exclusivamente para lésbicas. Teve uma única versão publicada como jornal pelo LF em 1981. Com a dissolução do LF passou a ser distribuído no formato de boletim – um pouco mais enxuto que um jornal – pela GALF.

A primeira (e única) edição do jornal contava com entrevista exclusiva de ngela Ro Ro, musicista declaradamente lésbica desde os anos 1970

A publicação contou com 12 edições, lançadas entre 1981 e 1987. Trazia temas recorrentes como lésbicas nas artes, nos esportes, na literatura, participação política, entre outros. Além disso, também trazia cartas, depoimentos, charges, poesias e ilustrações sobre a existência lésbica. Grande parte dos textos eram escritos por Miriam Martinho e Rosely Roth.

Charge presente na edição 4 do boletim ChanaComChana.

Na história do ChanaComChana, é importante salientar um dos locais de encontro de LGBTI+ na São Paulo dos anos 1980: o Ferro’s Bar. Foi ali, no dia 19 de agosto de 1983, que ocorreu o movimento do Stonewall Brasileiro, que construiria a história do dia nacional do orgulho lésbico.

Levante ao Ferro’s Bar

O Ferro’s Bar era, há muito, um ponto de encontro de grupos de esquerda na cidade de São Paulo. Antes do golpe militar de 1964, o bar era frequentado por comunistas. A partir do fim da década de 1960, passou a ser um ponto de encontro para lésbicas. As membras do GALF costumavam frequentar o bar, e lá passaram a vender o boletim ChanaComChana.

Essa situação, entretanto, incomodava os funcionários do local. O porteiro com frequência agia com violência, fazendo ameaças e dando puxões para que as mulheres se retirassem do local. A situação foi progressivamente se agravando, até que no dia 23 de julho de 1983 o dono do bar se envolveu. Acusando as mulheres de desordeiras, ele tentou expulsá-las do bar e chamou a polícia. Neste dia, os militares deram razão às militantes, deixando-as permanecer no ambiente.

Apesar disso, cansadas de serem tratadas com hostilidade, as mulheres do GALF organizaram um protesto. Tiveram o apoio de outros grupos feministas, homossexuais e de políticos como Irede Cardoso e Eduardo Suplicy. Encabeçadas por Rosely Roth, realizaram um “happening” (forma artística de intervenção) no dia 19 de agosto de 1983. Mesmo sob protesto do porteiro, forçaram entrada ao bar.

Entrada do Ferro’s Bar na noite de 19 de agosto de 1983, cercada por militantes

Rosely subiu em algumas cadeiras e começou a discursar sobre repúdio à violência contra as lésbicas, que exigiam o direito de ocupar o bar e de vender o ChanaComChana. O dono do bar, acuado em meio a protestantes e jornalistas, admitiu que o bar dependia da clientela lésbica para se manter em funcionamento. E então concordou finalmente em permitir a venda do ChanaComChana em seu estabelecimento. Para Rosely, o fator essencial para o sucesso do levante foi a união e a força das militantes, que exigiam seus direitos cumpridos.

Quem foi Rosely Roth

Rosely Roth, militante lésbica, sobe em uma cadeira para discursar contra a opressão sofrida no bar.

Rosely Roth, tão mencionada ao longo deste artigo, foi uma das mulheres mais importantes na formação do movimento lésbico brasileiro. Sua história, entretanto, teve um triste fim. Em 28 de agosto de 1990, após profundas crises emocionais, Rosely tirou a própria vida. Após seu suicídio, o boletim Um Outro Olhar publicou cartas e poemas de solidariedade de outras lésbicas, agradecendo à vida e à atuação de Rosely.

O envolvimento de Rosely com a militância foi essencial para o surgimento de grupos como o LF e a GALF. Suas contribuições para o ChanaComChana e o levante ao Ferro’s Bar ficam registradas na história como precursores de todas as manifestações lésbicas brasileiras posteriores. Assim, no ano de 2003 e em homenagem a Rosely e ao Levante ao Ferro’s Bar, o dia 19 de agosto passou a ser conhecido como o Dia Nacional do Orgulho Lésbico!

Para escrever esse artigo, além das referências que colocamos no corpo do texto, a gente foi buscar informações na dissertação de mestrado da Núbia Carla Campos, que se chama A lesbianidade como resistência: a trajetória dos movimentos de lésbicas no brasil -1979-2001; e também na publicação da Patrícia Lessa, chamada Visibilidade e Ação Lesbiana na Década de 1980: uma análise a partir do grupo de ação lésbico-feminista e do boletim chanacomchana.

Já conhecia a história do Dia Nacional do Orgulho Lésbico? Compartilhe com migues LGBTIs+ para saberem mais sobre a própria história!

post por Cristina Besen Müller
arte por Marianna Godoy

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